Por que se enfurecem as nações?

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o Salmo 1 começa ensinando que um homem verdadeiramente bendito não permitirá que sua visão sobre uma vida feliz seja influenciada pela imagem maligna de uma vida maldita. O Salmo 2 nos mostra o que é essa imagem maligna. O conselho dos ímpios – A filosofia de vida deles.

Por que se amotinam as nações e os povos tramam em vão? Salmo 2:1

Este é um conclusão lógica dos dois salmos introdutórios. Notavelmente, a palavra hebraica para “tramam” no Salmo 2:1 é exatamente o mesmo termo da palavra “meditar” no Salmo 1:2, essa ideia de refletir sobre algo que forma e molda sua imaginação. A ACF traduziu esta frase, “os povos imaginam em vão”. Felizmente, existem versões na língua inglesa que traduziram como: “meditam” (não existem versões em português que traduziram como ‘meditam’ a palavra ‘imaginam’). A pessoa justa medita na Lei de Deus dia e noite…. “Por que se amotinam as nações e os povos meditam em coisas vãs?” Esta é uma imagem da imaginação perversa de uma vida feliz. A imaginação de uma pessoa justa refletirá a Torá, mas a imaginação de uma pessoa ímpia refletirá uma imagem vã.

E o que é essa imagem? Observe o que as nações ímpias dizem sobre o governo do Senhor nos versículos 2–3. Uma pessoa justa imagina que o governo de Deus é aquele que permite a bem-aventurança; como uma pessoa perversa imagina a vida debaixo do governo de Deus?

Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o Senhor e contra o seu ungido, dizendo: Rompamos as suas ataduras, e sacudamos de nós as suas cordas. Salmo 2:2-3

É assim que os ímpios imaginam que Deus é; não diz respeito a sua teologia, mas ao que eles pensam intelectualmente em seus corações. Não é que eles neguem necessariamente o poder e o governo de Deus. Eles reconhecem seu poderio, mas não tem a mesma visão dos justos. Pessoas más pensam em outras categorias. Quando consideram o governo de Deus, eles o concebem como laços que devem ser rompidos, como cordas que devem ser desatadas para que haja liberdade verdadeira. A imagem ímpia de uma vida feliz é uma vida de prosperidade divorciada de Deus, uma rejeição explícita ao seu governo, porque eles acham que esse governo é opressor.

Os Salmos 1 e 2 expressam duas imagens diferentes da vida governada por Deus – como uma árvore frutífera ou como escravidão. A imagem que você concebe determina seu caminho e seu destino.

E é assim que os ímpios percebiam o governo de Deus ao longo da história. Pense no conselho da serpente a Eva: Deus realmente ordenou que você não comesse da árvore? Isso é horrível! Ele apenas sabe que você se tornará como Ele. Quebre essa algema e coma o fruto.

Pense na Torre de Babel. Deus ordena a Noé e seus filhos que “sejam férteis e multipliquem-se, multipliquem-se grandemente na terra e multipliquem-se sobre ela” (Gn 9:7). Mas seus descendentes migraram juntos para o leste e disseram: Isso é horrível! Liberte-se dessa jaula: “Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra” (Gn 11:4). O que Deus ordenou para ser uma bênção para eles, eles interpretaram como uma maldição.

Pense nos israelitas. Deus lhes deu a lei de Moisés, e disse: “E se fielmente ouvirdes a voz do Senhor vosso Deus, tendo o cuidado de cumprir todos os seus mandamentos que hoje vos ordeno, o Senhor vosso Deus te exaltará sobre todas as nações da terra. E todas estas bênçãos virão sobre ti e te alcançarão, se ouvires a voz do Senhor teu Deus” (Deuteronômio 28:1–2). E os hebreus disseram: Isso é horrível! Se quisermos paz na terra, precisamos nos casar com os cananeus, contrariando a Lei de Deus. Se quisermos grandes colheitas , precisamos adorar Baal, o deus da chuva. Se quisermos ter filhos, precisamos adorar Astarte, deusa da fertilidade. Vamos romper essas algemas e escapar dos grilhões. Eles queriam uma vida feliz, mas tinham a imagem errada do governo de Deus – era a conhecida imaginação vã- ela os levou a se livrar do que eles viam como amarras e restrições, quando na verdade os mandamentos que Deus lhes deu eram o caminho para a verdadeira felicidade e benção.

Eu poderia continuar eternamente- essa é a história da humanidade. Em nenhum desses exemplos os ímpios tinham um conhecimento deficiente do fato de que Deus é o Criador e Governador de todos — Romanos 1 nos diz que todas as pessoas conhecem o poder Eterno e a natureza de Deus; sua deficiência – o que formou seu caminho – é como eles imaginavam que Deus fosse. É exatamente o objetivo do Salmo 2: Esses salmos introdutórios apresentam a estrutura de todo o Saltério, o que deve moldar nossa imaginação da realidade do mundo e nos conduzir à bem-aventurança (felicidade) e ao louvor, mesmo quando estamos cercados por pessoas perversas, essa é uma imagem totalmente diferente.

De fato, foi exatamente assim que os apóstolos de Jesus interpretaram o Salmo 2. Em Atos 4, Pedro e João experimentaram a primeira perseguição dos judeus e, depois de libertados, citaram o Salmo 2, reconhecendo esse Salmo paradigmático como uma lente fundamental para interpretar toda a história humana como um conflito entre as imagens da vida feliz, (1) uma vida debaixo do governo de Deus contra uma (2) vida que foge do governo de Deus. Consequentemente, eles também reconheceram que sua pequena participação no desdobramento da estrutura do Salmo 2 não era nem de longe o exemplo mais significativo. Esse tipo de conflito aconteceu no jardim, aconteceu em Babel, aconteceu com os filhos de Israel e estava acontecendo com os apóstolos; mas os apóstolos sabiam que o exemplo final do Salmo 2 era a crucificação do Filho de Deus. Não foi difícil para eles interpretar o Salmo 2 dessa maneira – pois é exatamente isso que o Salmo 2:2 diz:

Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o Senhor e contra o seu ungido, dizendo:

Os apóstolos identificaram corretamente o Ungido — o Messias — como Jesus. Em outras palavras, o Salmo 2 explica como as verdades fundamentais do Salmo 1 se desenrolam na história do Mundo e, como veremos no próximo capítulo, o Messias está no centro de tudo. Os apóstolos sabiam disso; eles meditaram na música de Deus – os Salmos formaram sua imaginação. É assim eles interpretaram o conflito que estavam vivendo, à luz desse Salmo e essa convicção os manteve no caminho certo para a verdadeira felicidade.

A imagem bíblica de Deus

O Salmo 2 também retrata uma imagem bíblica de Deus e sua resposta à imaginação dos ímpios. Novamente, isso está estabelecendo um conjunto paradigmático de imagens que são desenvolvidas na totalidade do Saltério e que formam uma imaginação inspirada por Deus da realidade debaixo de Seu governo.

Considere a imagem que o Salmo 2:4 pinta de Deus: Diz: “Aquele que se assenta nos céus”. Agora, essa palavra “assenta” é um pouco enganadora. A palavra hebraica é, na verdade, muito mais metafórica do que simplesmente “assenta”. Mais uma vez, os Salmos usam a poesia para ajudar a formar nossa imagem consciente da realidade, e é isso que o Salmo 2 continua a fazer. Em outras porções do Saltério, os tradutores muitas vezes capturam uma imagem mais completa do que este termo hebraico significa ao utilizar a palavra portuguesa “entronizado”:

O Senhor preside ao dilúvio, o Senhor trona como rei para sempre. (Salmo 29:10)

Esse é o sentido desta palavra. Como observa Ross, o termo “significa que ele se senta entronizado ou reina”. Essa é a imagem de Deus que o Salmo 2 está começando a pintar, e isso fica claro quando o Salmo 2:6 se refere a ele como Rei. Os Salmos usam diversas imagens de Deus para moldar nossa concepção dEle, mas a imagem predominantemente é a de Deus como Rei. Você o encontrará chamado de Rei ao longo dos salmos, encontrará referências ao seu trono no céu como vemos aqui em 2:4 e encontrará outras imagens como: cetro, reino, domínio, reinado e poderío. Da mesma forma, no antigo Oriente Próximo, um título como de juiz conotava a ideia de um governante, como no Livro dos Juízes, onde os juízes eram governantes guerreiros e campeões do povo.

Do começo ao fim do Saltério, essas canções nos levam a meditar sobre Deus como Rei. Essas imagens concretas se formam em nossa imaginação, o que Alison Searle chama de “olhos do coração”, uma imagem de uma vida feliz debaixo do governo de Deus.

A resposta de Deus

E como esse Rei responde à fúria das nações? Como Ele responde à vã imaginação de uma vida feliz longe de seu governo? Como Ele responde quando os reis da Terra se colocam contra Ele e Seu Ungido, rompendo os laços de seu governo e se libertam das correntes de Seu reinado?

Ele zomba.

Entretanto Sua risada não é nada engraçada. Ela á uma rizada escarnecedora. (vs 4) “Aquele, porém, que mora nos céus, se ri, o Senhor os reduz ao ridículo”, (vs 5) “Dirigindo-se a eles em cólera, ele os aterra com o seu furor: (vs 9) “Tu as governarás com cetro de ferro, tu as pulverizarás como um vaso de argila”. Vocês se colocam contra o meu Ungido? Vocês o rejeitam, prendem, acusam falsamente, despojam, espancam e zombam de Seu governo com uma coroa de espinhos? Vocês pregam meu Ungido em uma cruz vergonhosa? (vs 6) Eu, porém, ungi o meu Rei sobre o meu santo monte de Sião.

A certeza de destruição para aqueles que vivem segundo uma vã imaginação de uma vida feliz é anunciada ao longo do Saltério, e particularmente na progressão da organização do Saltério. Se você traçar a aparência do ímpio ao longo dos Salmos, especialmente as imagens da prosperidade do ímpio, notará que há uma intensificação do contraste entre o ímpio e o justo nos primeiros quarenta salmos que começa a se diluir e desvanecer à medida que o livro progride para os últimos cinquenta salmos, que se concentram no louvor. Há um movimento no livro do conflito à bênção, do lamento ao louvor. Quando você chega ao último salmo do livro, o Salmo 150, não há absolutamente nenhuma menção aos ímpios. Eles foram destruídos.

O Salmo primeiro profetiza exatamente isso. Eles são como a moinha que o vento espalha (vs 4). Eles são vigorosos por quarenta salmos e continuam na maioria dos salmos, mas começam a diminuir e, no Salmo 150, eles se foram. O fato é : a presença de pessoas perversas é uma realidade inevitável, mas também é uma realidade inevitável que: “os ímpios não subsistirão no juízo, nem os pecadores na congregação dos justos”. Eles estão aqui e lutarão contra nós, e muitas vezes parece que estão prosperando em nosso lugar. Mas no final, no dia do julgamento, eles serão levados como palha.

É assim que temos esperança em meio a um Mundo sombrio e cada vez mais cheio de caminhos ímpiedosos e imaginações perversas. Não temos esperança de escapar da realidade malígna ao nosso redor ou sequer conseguimos ignorar essa realidade. A esperança é formada em nossos corações em meio a tudo isso ao meditar na Torá de David, ao viajar por esse caminho que os editores de salmos criaram para nós andarmos em meio a escuridão, através da adversidade, até a verdadeira felicidade. Cantamos nosso caminho através dos Salmos, de canções de lamento a canções de louvor.

O Conselho da Torá

Os Salmos 1 e 2 retratam duas imagens conflitantes dos modelos de ‘vida feliz’ que competem ao longo da história do mundo: a imagem de uma árvore que frutifíca debaixo do governo de Deus e a imagem do governo de Deus como opressivo e tirânico. O conselho dos ímpios é que a única maneira de prosperar é rompendo os laços do governo de Deus e abandonar suas amarras. Qual é o conselho do justo? O Salmo 2:10–12 nos diz:

Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos instruir, juízes da terra.
Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos com tremor.
Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se acender a sua ira; bem-aventurados todos aqueles que nele confiam.

O conselho da Torá. Esta é uma imagem assertiva de como será se você resistir ao governo de Deus como Rei. A última linha do Salmo 1 promete: “o caminho dos ímpios perecerá”, e assim a Torá aconselha: “Beije o Filho, para que Ele não se zangue, e você pereça no caminho”. Reconheça-o como Rei, aceite essa imagem, ou você será julgado por Deus.

Se você imagina que deve se rebelar e rejeita o Governo Divino porque ele é horrível, então essa é a imagem que realmente terá. Se você resistir ao domínio dEle tendo-o como algo opressor, experimentará verdadeira opressão. Você quebrou as amarras dele? Ele vai quebrar você. Sua imagem da vida abençoada e sua relação com o governo de Deus determinará como você vive e determinará seu destino final.

Mas se você beijar o Filho – se você o servir com tremor porque sabe que seus mandamentos não são pesados; você não percebe Deus como um déspota tirano, você o imagina como um Pastor-Rei, como seu Redentor — se essa é a sua imagem, então você será abençoado.

Feliz o homem, nos diz o Salmo 1, cuja imaginação é moldada pelo deleite na Torá, em vez do conselho ímpio. E a frase final do Salmo 2 é colocada lá intencionalmente pelos editores do Saltério para formar um suporte de livro com o Salmo 1:1: “Bem-aventurados todos os que nele se refugiam”. Se você perceber Deus corretamente, um pensamento formado por Suas canções inspiradas, então você voará para Ele em busca de refúgio; você o verá como a fonte da verdadeira bem-aventurança e como aquele que fornecerá segurança, conforto e proteção em meio a um Mundo perverso.

Este artigo é um trecho de: ‘Meditando sobre a Música de Deus: Formando Corações de Louvor com os Salmos’. (Musing on God’s Music: Forming Hearts of Praise with the Psalms) de Scott Aniol. Logo estará disponível em português.

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Scott Aniol | Brasil

Scott Aniol, PHD, é o vice presidente executivo e o editor chefe do ministério G3. Ele é palestrante internacional, atuando em diversas igrejas, conferencias, faculdades, e seminários. Scott já escreveu diversos livros e dezenas de artigos.

Você pode saber mais a respeito dele em www.scottaniol.com Scott e sua esposa, Becky, tem quatro filhos. Caleb, kate, Christopher e Caroline.