Deus me disse: Sobre a Pentecostalização da Teologia da Revelação

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Estou convencido de que o Evangelicalismo contemporâneo foi pentecostalizado de maneira tão sútil que mesmo evangelicos tradicionais não percebam. Isso se demonstra mesmo entre aqueles que afirmam ser cessacionistas. É nas expectativas evangélicas comuns relativamente à forma como Deus fala connosco e como Ele nos revela a sua vontade. É muito comum no evangelicalismo moderno, por exemplo, ouvir cristãos falarem que “Deus falou” com eles, revelando a sua vontade de formas místicas fora da sua Palavra.

Este ensino caracteriza os carismáticos, com certeza, eles acreditam que o Espírito Santo ainda dá revelação com o mesmo nível de autoridade que deu a profetas como Elias, Isaías e a apóstolos como João e Paulo.

Entretanto, carismáticos mais moderados como Wayne Grudem e Sam Storms argumentam que, embora o cânon oficial das Escrituras esteja fechado, ainda devemos esperar “revelação espontânea do Espírito Santo” hoje. Nesta visão mais moderada, a profecia hoje não tem o mesmo tipo de inerrância ou autoridade que a profecia bíblica ou a Escritura inspirada, mas ainda é uma revelação direta do Espírito. Eu fico contente por estes homens defenderem o encerramento do cânon e a autoridade das Escrituras, diferenciando nitidamente o seu ensino de outros carismáticos mais perigosos. Ainda assim, devemos comparar o seu ensino com a Bíblia.

É muito comum no evangelicalismo moderno ouvir cristãos falarem sobre como “Deus falou” com eles, revelando a Sua vontade de forma mística, fora da Palavra de Deus.

Por outro lado, muitos mestres evangélicos proeminentes afirmam que a profecia cessou, e ensinam, no entanto, que devemos esperar que o Espírito Santo fale diretamente conosco, não com palavras, e eles nem sequer chamam isso de profecia, mas eles ensinam que o Espírito Santo fala conosco por meio de impressões, sussurros ou uma voz mansa que traz paz interior.

O livro que mais espalhou essa idéia entre os cristãos evangélicos é: “Experiencing God” (Experimentanto Deus), de Henry Blackaby. Ele diz: “Deus não mudou. Ele ainda fala com seu povo. Se você não consegue ouvir Deus falar, você está com problemas no que se refere a sua experiência cristã”. Ele afirma ser cessacionista. Outros professores como Charles Stanley e Priscilla Shirer ensinam que precisamos aprender a ouvir a voz de Deus fora das Escrituras, devemos esperar receber “direção divina pessoal”, “orientação detalhada” e “direção interior”.

Outra forma pela qual essa idéia aparece é nas crenças comuns a respeito da doutrina da iluminação. Muitas vezes ouvimos orações como: “Senhor, por favor, ilumine a tua Palavra para que possamos entender o que ela diz”, ou outra linguagem semelhante. Intencionalmente ou não, muitos crentes parecem esperar que o Espírito nos ajude a entender o que as Escrituras significam ou que ela nos “fale” de maneiras específicas para aplicar às nossas situações pessoais. Entretanto , isso não é iluminação bíblica.

O fato é que muitos cristãos hoje pensam que as experiências sobrenaturais eram a maneira normal e esperada de Deus falar com todos nos tempos bíblicos. Henry Blackaby novamente:

O testemunho da Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, é que Deus fala com o Seu povo,. . . e você pode esperar que Ele fale com você também.

Charles Stanley argumenta:

[Deus] nos ama tanto quanto amou as pessoas nos dias do Antigo e do Novo Testamento. . . . Precisamos de sua direção definida e deliberada para nossas vidas, assim como Josué, Moisés, Jacó ou Noé. Como seus filhos, precisamos de seu conselho para tomar decisões corretas. Ele quer que façamos as escolhas certas, ainda é responsável por nos falar pessoalmente e é assim que Ele conversa conosco.

Estes não são carismáticos ou continuístas. Eles são mestres que afirmam ser cessacionistas, mas insistem que devemos esperar ouvir Deus fora da sua Palavra. Entretanto, isto realmente não é diferente de como os continuistas moderados definem a profecia hoje.

Na verdade, Tom Schreiner admite isso em seu livro “Spiritual Gifts” (Dons Espirituais). Schreiner diz o seguinte:

O que a maioria chama de profecia nas igrejas hoje, na minha opinião, não é o dom de profecia do Novo Testamento. . . . É melhor caracterizar o que está acontecendo hoje como impressões, em vez de uma profecia. Deus pode dizer algo no coração e na mente de uma pessoa, e pode usar tais impressões para ajudar outros na sua caminhada espiritual. É uma questão de definição, o que algumas pessoas chamam de profecias são na verdade impressões, onde alguém sente que Deus o está levando a falar com alguém ou a fazer algum tipo de declaração sobre uma situação.

E Schreiner até admite que isto não é diferente da teologia continuista moderada da profecia:

A diferença entre cessacionistas e continuistas é, de certa forma, insignificante no nível prático quando se trata de profecia, pois o que os continuistas chamam de profecia, os cessacionistas chamam de impressões. Como cessacionista, afirmo que Deus pode falar ao seu povo através de impressões. E há ocasiões em que as impressões são bastante precisas.

Respeito muito Tom Schreiner, mas o problema é que os ensinos sobre as “impressões do Espírito Santo” não são baseados na Escritura. Em vez disso, eles usam frases como: “Todos nós já experimentamos esse tipo de coisa”, “essas impressões são bastante precisas, então devem ser de Deus”, ou citam algumas declarações vagas de Spurgeon, Edwards ou Lloyd Jones que faz parecer que eles acreditavam em tais impressões.

Eu estimo que a grande maioria dos cristãos evangélicos hoje acredita que o Espírito Santo fala através de sugestões e impressões, especialmente no que diz respeito à sua vontade para as nossas vidas. Se você deseja conhecer verdadeiramente a vontade de Deus, então a Bíblia não é suficiente. A Bíblia não lhe diz detalhes sobre a “vontade secreta” de Deus para a sua vida, por isso, se quiser saber, precisa aprender a ouvir a voz de Deus. Não são palavras audíveis, é claro, nem profecias – afinal, somos cessacionistas, mas devemos esperar receber estímulos ou impressões do Espírit ou uma paz interior que nos traz orientação.

Mas o que a Bíblia realmente diz sobre como Deus fala conosco?

A Palavra mais Confiável

Ao compreender a natureza da obra de Revelação do Espírito, é importante que compreendamos a relação entre a revelação que Ele deu através dos profetas e a revelação especial nos sessenta e seis livros canônicos das Escrituras.

Pedro aborda a questão em 2 Pedro 1, onde afirma no versículo 21: “os homens falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”. Pedro está discutindo a natureza da revelação bíblica inspirada pelo Espírito por causa dos falsos mestres que surgiram, alguns dos quais afirmavam falar em nome de Deus.

Pedro começa o seu argumento, no entanto, apelando a sua condição de testemunha ocular como apóstolo de Jesus Cristo – “fomos testemunhas oculares da sua majestade”. Quando ele revelou ao povo a verdade sobre Jesus Cristo, argumenta Pedro, ele não seguiu mitos ou lendas, antes, seu ensino é baseado no que ele testemunhou pessoalmente como apóstolo de Cristo

Ao que ele está se referindo nesses versículos? Ele está se referindo à experiência sobrenatural da Transfiguração de Jesus Cristo na presença de Pedro, Tiago e João no monte. No entanto, observe o que Pedro diz a seguir no versículo 19: “E temos a Palavra profética mais plenamente confirmada.” Apesar de todas as experiências de Pedro ao receber revelação divina do próprio Deus, Pedro identifica a fonte fundamental da verdade de Deus: a Palavra profética. Pedro está dizendo que Deus revelou a sua verdade, não apenas através da revelação divina direta, mas fundamentalmente através da sua Palavra inspirada pelo Espírito.

Pedro e os demais apóstolos experimentaram revelação direta de primeiro grau do Espírito de Deus. Essas experiências sobrenaturais foram maneiras pelas quais Deus confirmou a sua verdade aos seus apóstolos. Entretanto, quando Pedro tenta defender a verdade de Deus, alguém poderia facilmente dizer: “Por que deveríamos acreditar na sua palavra? As pessoas vivenciam coisas que não conseguem explicar o tempo todo, quem pode dizer que tais experiências não são revelação direta de Deus?” Pedro responde a essa objeção natural dizendo: “Não acredite apenas na minha palavra. Confie na Palavra de Deus, ela é suficiente.”

Na verdade, ele vai além disso. O versículo diz literalmente: “E temos mais certeza na Palavra profética”. Você vê o que Pedro está dizendo aqui? Um apóstolo de Jesus Cristo, alguém que andou com Jesus e viu seus milagres e ouviu seus ensinamentos, alguém que realizou os sinais de um verdadeiro apóstolo, um dos únicos três que viram Jesus transfigurado na montanha e literalmente ouviram a voz de Deus no Céu, e apesar de todas essas incríveis experiências sobrenaturais, Pedro diz: “Temos uma Palavra profética ainda mais confiável, mais confirmada, mais acurada do que essas experiências sobrenaturais. Temos a Palavra escrita de Deus, e ela basta.”

O que mais podemos querer além da Confiável Palavra de Deus?

‌Muitas vezes os cristãos hoje assumem que se o Espírito de Deus falasse diretamente com eles como fez com os profetas e apóstolos nas Escrituras, eles alinhariam mais facilmente suas vidas com a vontade de Deus para eles. Mas Pedro está dizendo que a Palavra inspirada pelo Espírito é mais certa do que se o Espírito falasse diretamente conosco.‌

Considere o que ele diz na próxima frase do versículo 19: “ao qual você faria bem em prestar atenção”. Preste atenção à Palavra, ela é suficiente. Não devemos esperar que o Espírito fale diretamente conosco, porque mesmo que o fizesse, a Palavra ainda seria mais correta do que a revelação direta do Espírito. Por que desejaríamos algo menos correto do que a Palavra de Deus?

Existem aqueles hoje que insistem que as Escrituras não dizem que o Espírito parou de dar revelação direta ainda que as Escrituras estejam completas, mas é exatamente isso que Pedro está dizendo aqui. A Palavra escrita de Deus é mais correta do que a revelação direta, a revelação direta só foi necessária por um tempo porque a Palavra escrita ainda não estava terminada. Agora que a Palavra escrita está completa, não precisamos mais daquelas revelações menos corretas. A única razão para acreditar que o Espírito de Deus ainda fala através da revelação divina é se você acreditar que o cânon das Escrituras está incompleto, se você acreditar que o cânon das Escrituras está fechado, então você não deve esperar nenhuma revelação divina adicional. Até mesmo Grudem reconhece: ““Se todos com o dom de profecia na igreja do Novo Testamento tivessem. . . autoridade divina absoluta, então esperaríamos que este dom desaparecesse assim que os escritos do Novo Testamento fossem concluídos e disponibilizados às igrejas.”

Como tenho notado, qualquer pessoa hoje pensa que as experiências sobrenaturais eram apenas a maneira normal e esperada de Deus falar com todos nos tempos bíblicos. Mas isto revela dois conceitos errados sobre os exemplos de revelação direta que estão registrados para nós nas Escrituras.

Revelação Direta do Espírito é algo raro na Escritura

Primeiro, a revelação direta do Espírito é algo raro na Bíblia. As pessoas presumem que isso aconteceu o tempo todo, mas, na verdade, ocorreram principalmente em apenas três períodos gerais: os patriarcas e Moisés, Elias e os profetas, Jesus e a fundação da igreja pelos seus apóstolos. Há grandes períodos de história entre esses três períodos primários em que ouvir o Espírito de Deus fora da sua Palavra não era uma experiência normal.

Mesmo em Atos, a expectativa normal não era esperar revelação direta de Deus, mas confiar na sua Palavra. As revelações diretas ocorrem apenas nove vezes distintas ao longo de trinta anos no Livro de Atos. Por outro lado, há pelo menos 70 casos em Atos onde os cristãos, incluindo os apóstolos, tomaram decisões sem revelação direta.

Quando os apóstolos escolheram um substituto para Judas, eles não pediram revelação direta – eles consultaram a Palavra e então tomaram uma decisão embasada. Quando escolheram os primeiros diáconos, nomearam presbíteros, decidiram onde pregar o evangelho e até mesmo no Conselho de Jerusalém, o povo de Deus tomou decisões importantes, não com base em revelação direta ou impressões do Espírito Santo, mas com base em cuidadosa aplicação da Palavra de Deus. A revelação direta não é comum nem mesmo entre os apóstolos no primeiro século.

Aqueles momentos em que o Espírito falou diretamente através dos profetas tinham o propósito de confirmar a Palavra escrita de Deus, conforme ela estava sendo escrita, como a Palavra mais confiável, e uma vez que a Palavra foi confirmada, a revelação direta não era mais necessária.

Segundo, as pessoas entendem mal o propósito desses casos de revelação direta. Essas experiências não existiam por si mesmas, como a maneira normal pela qual Deus revelou sua vontade ao seu povo. Em vez disso, aqueles momentos em que o Espírito falou diretamente através dos profetas tinham o propósito de confirmar a Palavra escrita de Deus, à medida que ela era registrada, como a Palavra mais confiável, e uma vez que a Palavra escrita foi confirmada, a revelação direta não era mais necessária.

Pense nesses três períodos da história: Deus falou diretamente ao povo através de Moisés, mas depois Ele escreveu a sua revelação nas tábuas de pedra e na sua Palavra escrita. A revelação direta confirmou que a Lei e o testemunho vinham de Deus, mas uma vez escritos, Deus não falou diretamente ao povo. Ele esperava que o povo confiasse e obedecesse a algo mais acurado: a Sua Palavra escrita. A Palavra de Deus é suficiente.

O Espírito Santo falou através de profetas como Elias e Isaías, mas depois esses profetas escreveram o que Deus disse. A revelação direta confirmou que a profecia vinha de Deus, mas uma vez escrita, Deus não falou diretamente ao povo. Ele esperava que o povo confiasse e obedecesse algo mais correto: a Sua Palavra escrita. A Palavra de Deus é suficiente.

Igualmente, o Espírito de Deus falou diretamente através de Jesus e dos seus apóstolos. Mas então, como Pedro disse no capítulo 3, os apóstolos escreveram o que Deus disse. A revelação direta confirmou que a revelação vinha de Deus, mas agora que foi escrita, não devemos esperar que Deus fale diretamente conosco. Deus espera que confiemos e obedeçamos a algo mais acurado: sua Palavra Escrita. A Palavra de Deus é suficiente.

É tolice olharmos para o que Deus estava fazendo nesses três períodos únicos em que entregava progressivamente sua revelação e assumir que eles são normativos para nós hoje.

É tolice olharmos para o que Deus estava fazendo nesses três períodos únicos em que ele entregava progressivamente sua revelação e assumir que eles são normativos para nós hoje. Esses três períodos em que o Espírito falou diretamente produziram a acurada Palavra escrita de Deus: (1) Moisés, (2) Elias e os profetas, (2) Jesus e os apóstolos – a Lei, os Profetas e o Novo Testamento. E, notavelmente, foram exatamente estes que se reuniram no Monte da Transfiguração: Moisés, Elias, Jesus e seus apóstolos – representantes das 66 Palavras de Deus inspiradas, autoritativas, escriturísticas, mais corretas e suficientes. Essa Palavra é suficiente até o retorno de Jesus.

‌A razão pela qual a Palavra escrita é mais correta do que a revelação direta do Espírito é a natureza da inspiração. Pedro aborda isso no versículo 20:

Sabendo, antes de tudo, que nenhuma profecia das Escrituras é de particular interpretação. 21 Pois nenhuma profecia jamais foi produzida pela vontade dos homens.

Em outras palavras, a Palavra escrita de Deus não vem de uma fonte humana. Se assim fosse, as Escrituras não seriam inerrantes, infalíveis, autoritativas ou suficientes. Este é o problema até mesmo das revelações subjetivas sobrenaturais – elas são falíveis porque os humanos são falíveis. As visões podem ser causadas pela falta de sono, os estímulos internos podem ser indigestão e os sonhos podem ser causados ​​por muita comida apimentada. Se você ouvisse uma voz do céu, não poderia ter certeza de que é Deus.

Mas o que está registrado nas Escrituras não é assim. Não vem de uma fonte humana. Isto é o que torna as Escrituras ainda mais confiáveis ​​e preferidas à revelação direta de Deus. Nenhuma profecia das Escrituras vem de fonte humana. Pelo contrário, “os homens falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (v. 21). Pedro está dizendo que devemos confiar na Suficiência da Palavra porque é a revelação do Espírito de Deus que a torna mais precisa do que se Ele estivesse falando diretamente conosco.

Confie na Suficiência da Palavra. É tudo que precisamos. Não precisamos de experiências subjetivas sobrenaturais, não precisamos da voz de Deus vinda do Céu, não precisamos de uma voz mansa em nossos corações, não precisamos de visões, sonhos, impressões ou “cutucões do Espírito Santo” – nós tem algo melhor do que tudo isso. Temos mais precisamente a Palavra escrita de Deus. As Escrituras bastam.

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Scott Aniol | Brasil

Scott Aniol, PHD, é o vice presidente executivo e o editor chefe do ministério G3. Ele é palestrante internacional, atuando em diversas igrejas, conferencias, faculdades, e seminários. Scott já escreveu diversos livros e dezenas de artigos.

Você pode saber mais a respeito dele em www.scottaniol.com Scott e sua esposa, Becky, tem quatro filhos. Caleb, kate, Christopher e Caroline.