Beleza: A busca do Conhecimento e Sabedoria

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Um dos últimos contos que C. S. Lewis escreveu foi a revisão de uma de suas primeiras histórias. Era um conto que ele chamava de “Luz”. Nele, um homem chamado Robin, que nasceu cego, teve sua visão restaurada por meio de uma cirurgia. Entretanto Robin fica muito desapontado com sua nova visão, porque ele realmente quer ver o que chamam de “luz” sobre a qual tanto ouviu falar, e ainda assim, enquanto sua esposa e outros insistem que a luz está ao seu redor, ele não consegue ver a luz. Após semanas conseguindo ver, mas sem poder ver a luz, Robin ficou desesperado e, por fim, morreu. Claro, o problema de Robin, e também o problema de sua esposa e outros que não conseguiram ajudá-lo, era porque a luz não é algo que vemos; a luz é algo pelo qual vemos.

O conto de Lewis é, em última análise, sobre a natureza do conhecimento humano, mas também ilustra bem, penso eu, como muitas vezes falamos sobre beleza. Em nossa era pós-iluminista, a beleza é algo para o qual olhamos; é um tema sobre o qual falamos; é, talvez, algo que devemos aprender a apreciar e desfrutar.

Como ocorre nessa estória, a beleza não é apenas algo para se refletir, olhar e simplesmente reconhecer ou até mesmo se deliciar, mas a beleza é o que faz com que se conheça a Deus e Seu mundo. Resumindo, a beleza não é simplesmente uma categoria que está ao lado da verdade e da bondade; pelo contrário, a beleza é o meio pelo qual chegamos a realmente conhecer o que é verdadeiro e bom.

Beleza Transcendente

Um dos princípios fundamentais mais importantes de uma filosofia cristã robusta é a afirmação da verdade absoluta, bondade e beleza, bem como compreender o papel principal de que cada um desses elementos desempenha em conhecer verdadeiramente a Deus e Seu mundo.

A crença em princípios transcendentes está enraizada na convicção de que Deus é a fonte, o sustentador e o fim de todas as coisas. A Bíblia proclama claramente que Deus é autoexistente e autossustentável, e todas as coisas vêm dEle (Romanos 11:36). Tudo o que é verdadeiro o é porque Deus é Verdade. Tudo que é bom é assim porque Deus é Bom. E tudo o que é belo o é porque Deus é Beleza. Não existem fatos separados de Deus; são fatos porque Deus é verdadeiro. Não existe um padrão moral que seja concebido democraticamente à parte de Deus; tudo é moral ou imoral porque Deus determina. E da mesma forma, a beleza não está nos olhos de quem vê; algo é belo quando reflete o Deus que é pura Beleza.

Tendo isso em mente, os cristãos, como portadores da imagem de Deus, devem estar comprometidos a refletir os pensamentos de Deus em conformidade com Ele, a se comportar de maneira a se conformar à vontade moral de Deus e a amar o que quer que Ele ame. A vida cristã está, portanto, preocupada com a ortodoxia — crença correta, ortopraxia — comportamento correto e ortopatia — amores corretos.

A estética da Escritura

A razão fundamental pela qual devemos reconhecer o significado da beleza como um elo central do qual nossos amores são moldados e como conhecemos a Deus e Seu mundo é porque a própria Bíblia é a verdade de Deus comunicada de forma bela. A Palavra de Deus é mais do que “dados divinos”. Ademais, a revelação da verdade e da bondade de Deus chega até nós de várias formas estéticas, como “narrativas, provérbios, poemas, hinos e oratória cujas ferramentas artísticas incluem alegoria, metáfora, simbolismo, sátira e ironia”.

Essas formas estéticas são essenciais para a própria verdade, visto que a Palavra inspirada de Deus é exatamente a forma pela qual a verdade é apresentada. Clyde S. Kilby observa: “A Bíblia chega até nós de uma forma artística sublime, ao invés de ser apenas um documento de prosa prática e expositiva, rígida no esboço como um livro didático”. Ele afirma que essas formas estéticas não são meramente decorativas, mas partem da apresentação essencial da verdade da Bíblia: “Não temos verdade e beleza, ou verdade decorada com beleza, ou verdade ilustrada pela bela frase, ou verdade em um ‘belo contexto’ verdade e beleza estão nas Escrituras, como de fato devem sempre estar, uma unidade inseparável.

Em outras palavras, verdade, bondade e beleza são três fios de um único cordão que não podem ser separadas se desejamos conhecer verdadeiramente a Deus e o Seu mundo.

Eu temo que a maioria dos cristãos não reconheça isso, visto pelo fato de que muitos cristãos têm medo de afirmar e defender a beleza absoluta da mesma forma que fazemos com a verdade absoluta e a moralidade. Adquirimos a ideia modernista de que a beleza está nos olhos de quem vê, e a agenda multicultural pós-moderna que argumenta que a arte advém apenas de uma contextualização cultural de uma determinada civilização. Ainda vemos a beleza e as artes como meios para tornar a verdade interessante, em vez de fins em si mesmos. Vemos a beleza como algo para ver, em vez de algo pelo qual vemos.

Olhe pela Beleza

Digo isso especificamente porque, novamente, quando consideramos a estética, ela se torna algo sobre o qual falamos e pensamos. Falar, pensar e olhar para a beleza são coisas boas até certo ponto, mas o que estou chamando de ferramentas do amor – que molda nossos amores e cultiva a virtude em nós – não é algo para se olhar, mas sim um meio para se olhar.

Por estética, refiro-me à ideia geral que encontra suas raízes na palavra grega aisthanomai, que significa “eu percebo, sinto, tenho a sensação”. A estética envolve tudo o que afeta a percepção. Envolve como as ideias são expressas e comunicadas. Certamente inclui uma consideração sobre a beleza e a arte, mas é muito mais que isso. A forma que aprendemos e encontramos a verdade molda esteticamente a forma como percebemos a verdade. Mesmo o que poderíamos considerar como elementos menos artísticos do aprendizado tem aspectos estéticos. Uma palestra didática direta tem uma certa estética que molda a percepção tanto quanto um poema. A forma estética é o conteúdo no qual percebemos a verdade, e a verdade assume a forma do conteúdo de modo que a percepção da verdade é formatada por ele.

Portanto, a estética são as poderosas lentes que moldam a forma pela qual se enxerga a verdade para conhecer e amar a Deus e Seu mundo.

Seu amor deve ser transbordante

O apóstolo Paulo ora por esse mesmo tipo de perspectiva em Filipenses 1:9-11, quando diz:

E peço isto: que o vosso amor cresça mais e mais em ciência e em todo o conhecimento, para que aproveis as coisas excelentes, para que sejais sinceros, e sem escândalo algum até ao dia de Cristo; Cheios dos frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus.

Paulo sabe que o cristão é verdadeiramente caracterizado pelo amor, o que ele descreve no versículo anterior como “afeto de Cristo Jesus”. O próprio Jesus ensinou que o maior mandamento é amar o Senhor, seu Deus, de todo o coração, de toda a alma, de todo o entendimento e de todas as forças.

Mas esse amor não é o sentimentalismo romantizado tão característico de nossos dias. Observe em particular como Paulo caracteriza esse amor – “amar com ciência e conhecimento”. Aqui, talvez, esteja uma descrição adequada do objetivo da santificação cristã – que seu amor seja cada vez mais transbordante, em toda ciência e conhecimento, para que você prove o que é excelente e, assim, ser puro e irrepreensível no dia de Cristo, cheio do fruto da justiça que vem por meio de Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus.

Paulo ora por um amor caracterizado por “todo conhecimento”, conhecimento de Deus e de Seu mundo, entendimento de suas obras através da História, bem como a ciência de Sua Palavra.

O amor cristão não é caracterizado apenas pelo conhecimento, igualmente o objetivo da santificação cristã não é meramente o conhecimento. Paulo diz: “E minha oração é que seu amor cresça mais e mais, com conhecimento e todo o discernimento.”

Existe um aspecto objetivo do amor cristão, relacionado a santificação que deve ser o seu objetivo ao longo da vida.

Essa é a virtude bíblica da sabedoria, que Kevin Vanhoozer define como “a capacidade de ver o que é correto e apropriado em uma situação particular, dada a nossa compreensão do contexto maior que fazemos parte”. “A sabedoria é a virtude que organiza todas as outras virtudes”, é a capacidade de pegar todo o conhecimento que você adquiriu sobre Deus e Seu mundo e discernir como os elementos se encaixam no todo, sejam estilos de vida, experiências pessoais, eventos que acontecem ao nosso redor— a sabedoria é a capacidade de discernir o que se encaixa no desígnio de Deus para o mundo e o que não se encaixa.

Minha ilustração favorita sobre a diferença entre conhecimento e sabedoria é que conhecimento é saber que um tomate é uma fruta, mas sabedoria é discernir que um tomate não combina com uma salada de frutas.

O cultivo do conhecimento e do discernimento é o objetivo da santificação cristã, porque preparam você para uma vida que se encaixe adequadamente em todas as informações particulares que você encontrará ao seu redor no contexto maior, conforme a intenção de Deus. Existem muitas pessoas que acumularam muito conhecimento, mas relativamente poucas que realmente sabem o que fazer com esse conhecimento, que têm a capacidade de perceber como esse conhecimento se encaixa adequadamente. Como Paulo continua a dizer em Filipenses 1, “para que você possa aprovar o que é excelente”. Isso é sabedoria e discernimento.

Existe algo fascinante sobre esta palavrinha chamada: “discernimento” em Filipenses 1:9. “Discernimento” é uma tradução da palavra grega aisthanomai – da qual obtemos a palavra em português: “estética”.

Isso revela o propósito importante por trás da beleza na santificação cristã. Os elementos estéticos de nossa santificação não são meramente um valor agregado; eles não são incluídos apenas para tornar a aquisição de conhecimento mais envolvente ou interessante. Os elementos estéticos de nossa santificação são fundamentalmente morais porque ajudam a formar o discernimento dentro de nós – eles ajudam a formar a sabedoria. Este é o poder transformador da beleza.

Olhos do coração

Como exatamente a beleza forma a sabedoria? Através da imaginação. Se a sabedoria é a virtude que nos permite perceber o que é correto, a imaginação é a faculdade humana por meio da qual o fazemos. Como observa Vanhoozer, a imaginação é a “faculdade de fazer ou descobrir conexões e formas significativas”, é “a capacidade de criar ou perceber totalidades significativas e formas coerentes”. Ela cultiva a virtude da sabedoria.

Eu gostaria de destacar duas maneiras pelas quais isso deve acontecer na vida de um cristão.

Em primeiro lugar, as belas obras da imaginação formam a capacidade de perceber adequadamente a ordem no mundo. A beleza é coerentee, portanto, quando mergulhamos na beleza – em obras de arte e elementos estéticos que manifestam uma profunda ordem no mundo criado, como Deus pretendia que fosse, nossa imaginação moral é moldada quanto ao que é correto na ordem criada.

Uma das minhas pinturas favoritas em exibição na galeria nacional em Washington D.C. é uma obra chamada “Fanny/Fingerpainting” de Chuck Close. Se você virasse a esquina da galeria e se deparasse com a pintura de perto, tudo o que veria seria uma confusão de impressões digitais. Aleatoriedade aparente e desordem. Mas, ao se afastar da pintura, você verá um retrato incrivelmente detalhado de uma anciã fotorrealista. O que parecia ser uma desordem aleatória quando visto de perto, na verdade se encaixa em um belo contexto muito maior.

Esse tipo de fenômeno caracteriza toda bela arte em um grau ou outro em uma variedade quase infinita de formas. Um momento de dissonância musical no ar parece ruim e sem propósito, mas quando concebido como apenas um momento em uma peça musical maior, começamos a entender como as partes se encaixam em um belissimo todo. Um gesto do corpo por si só pode parecer estranho, mas junto com outros gestos complementares, cria uma dança lindamente graciosa.

Ao estudar e apresentar, especialmente, executar obras de arte verdadeiramente belas, estamos desenvolvendo a sabedoria, uma capacidade de perceber uma parte – um momento dissonante no ar – e discernir como ela se encaixa no todo da onipotência e sabedoria de Deus e Seu belo plano de Mundo.

Igualmente, em segundo lugar, a beleza na adoração ensina o que é adequado em nosso relacionamento com Deus e Seu mundo. Como observa Vanhoozer, “Tanto a bela aarte quanto a adoração despertam nossos sentidos e imaginação para os contornos da ordem criada. No entanto, ao contrário da arte, a adoração nos enxerta no drama da redenção, naquele desígnio trinitário para a vida em que a beleza é um consentimento amoroso para com o outro.” a redenção, capacitando-nos com olhos iluminados a perceber a obra de Deus no mundo para Sua glória e a de Seu povo. Bela liturgia e música ordenam nossas afeições no que Lewis chamou de “sentimentos estáveis”. A adoração que comunica liturgicamente a verdadeira adoração do céu nos realinha com essa realidade.

Nem preciso dizer a você que nosso mundo está cheio de feiúra, desordem, caos e dor. Consideradas como momentos dissonantes no ar, tais realidades podem nos levar ao desespero se não conseguirmos perceber como esses momentos de feiúra se encaixam em um plano ordenado do Deus Soberano. Mas tendo os olhos de nossos corações iluminados, adquirido por meio da bela arte “a capacidade de compreender padrões significativos ou conceber contextos unificados a partir de elementos aparentemente não relacionados”, somos mais capazes de “’ver’ Deus e o reino de Deus em ação no Mundo.”

Conclusão

A beleza é parte essencial da vossa santificação, pois é ela que forma em nós o verdadeiro amor com conhecimento e todo o discernimento.

‌Ao continuar a buscar a santidade e a semelhança com Cristo, não se esforce apenas para adquirir conhecimento teológico, mas deixe seu amor transbordar cada vez mais, com conhecimento e discernimento, para que você possa aprovar o que é excelente e, assim, ser puro e irrepreensível no dia de Cristo, cheio do fruto da justiça que vem por meio de Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus.

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Scott Aniol | Brasil

Scott Aniol, PHD, é o vice presidente executivo e o editor chefe do ministério G3. Ele é palestrante internacional, atuando em diversas igrejas, conferencias, faculdades, e seminários. Scott já escreveu diversos livros e dezenas de artigos.

Você pode saber mais a respeito dele em www.scottaniol.com Scott e sua esposa, Becky, tem quatro filhos. Caleb, kate, Christopher e Caroline.