Fundamentalismo não é Palavrão

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O modo que usamos as palavras faz diferença Por exemplo, as palavras muitas vezes mudam dependendo do sentido cultural em que são empregadas, essa etimologia é um indicativo da dificuldade de ancorar um significado a palavra. Por isso é necessário estudar as palavras quando lemos a Bíblia para entender como aqueles termos eram utilizados em uma era específica ou contexto bíblico.

Nos dias atuais, tem havido uma ressurgência do termo fundamentalismo ou fundamentalista nos blogs e nas mídias sociais como forma de descrever ou rotular pessoas que se opõem a justiça social ou a toda a agenda de desconstrução dentro do evangelicalismo. Alguns críticos têm buscado marginalizar as pessoas rotulando-as pejorativamente com a palavra com “F”. David French, em seu artigo de 2021, descreveu a Convenção Anual Batista do Sul como sendo composta também por um grupo específico de conservadores chamados de “piratas fundamentalistas  Ele também os denominou como “fundamentalistas tóxicos”. Igualmente, Thomas S. Kidd, ao escrever para a Coalizão pelo Evangelho (EUA), conclui:

…e nossos problemas atuais refletem ainda outro perfil de pessoas nas igrejas que são discipuladas mais pela televisão e pelas mídias sociais do que pela igreja. O “espírito” do fundamentalismo nos diz que nenhuma diferença, seja política ou teológica, é tolerável, e que nossos inimigos devem ser destruídos. O Espírito de Cristo nos ensina um caminho melhor: Verdade robusta e gentileza robusta.

Se esses críticos ficarem sem resposta, eles espalharão a narrativa de que tais grupos são irracionais ou irrelevantes na era presente da Igreja. O uso impróprio do termo fundamentalista vai criar a falsa narrativa de que todos aqueles que são opostos à teoria crítica da raça, interseccionalidade ou visão marxista aplicada a Igreja é um mero analfabeto ou cristão direitista nacionalista ultrazeloso que aprende sua teologia com Tucker Carlson (Um Jornalista de linha direita conservadora tal como Augusto Nunes ou Luís Ernesto Lacombe.) e não com Jesus.

Em resumo, trata-se de uma campanha suja de cancelamento que serve a uma agenda de controle de narrativas influentes em círculos específicos do evangelicalismo. Eu quero ser claro, essa narrativa jamais vencerá, a verdade sempre vai prevalecer.

O FUNDAMENTALISMO É ULTRAPASSADO

O Fundamentalismo era um termo originalmente utilizado para designar homens que levavam os firmes fundamentos da fé em oposição ao movimento modernista que atacava a Escritura Sagrada. Quando o Tsunami do alto criticismo alemão varria a Igreja, um grupo de bravos teólogos empunharam suas espadas para a guerra. Eles buscavam mostrar que o modernismo e o cristianismo era água e óleo, não se misturavam de modo algum. Esse levante histórico foi visto como fruto da Reforma, e homens como J. Greschan Machen (erudito no novo Testamento) eram homens que se tornaram conhecidos como fundamentalistas. Certamente Machen não abraçava o termo fundamentalista em sentido amplo, ele mesmo explica:

O cristianismo verdadeiramente consistente, no meu entendimento, é encontrado apenas na fé reformada ou calvinista; e o cristianismo consistente, penso eu, é o cristianismo mais fácil de defender. Por isso, não me considero um “fundamentalista”…. eu prefiro não me denominar um “fundamentalista”, mas um “calvinista”, isto é, um adepto da fé reformada. Como tal, considero-me como estando na grande corrente central da vida da Igreja – a corrente que flui da Palavra de Deus através de Agostinho e Calvino, e que encontrou expressão notável na América na grande tradição representada por Charles Hodge e Benjamin Breckinridge Warfield e os outros representantes da “Escola de Princeton”.

Embora ele buscasse definir sua teologia como estando fora dos arraiais fundamentalistas, Machen é lembrado como fundamentalista por seu valoroso labor a favor da verdade. No decorrer do tempo, o termo “fundamentalismo” passou a ter uma conotação legalista, ao invés de ser a bandeira da Verdade, e ainda hoje se você chamar alguém de fundamentalista é provável que esteja usando o termo no sentido de insulto e não de elogio, assim como a palavra fariseu deixou de ser um título respeitoso para se tornar um símbolo de legalismo.

A palavra: “ultrapassado”, por definição, significa “alguém que é fora de moda, conservador ou das antigas”. Avançado um pouco além da era “Machen”, novas facetas do fundamentalismo surgiram, uma nova geração de conservadores abraçou a palavra “fundamentalista” em 1950-1960 e adicionaram uma bagagem extra de somente usar a versão da Bíblia King James (versão bíblica mais tradicional em inglês como JFA em português), ser contra o evangelista Billy Grahan, e, em muitas ocasiões, só poderiam participar do louvor congregacional as moças que usassem saia bem longa e nada de meninos e meninas na piscina nos acampamentos de verão.

Hoje, a esmagadora maioria dos evangélicos não adota o termo “fundamentalista” como categoria, isso é devido principalmente à forma como o termo se tornou sinônimo de legalismo e do fato de pesquisadores terem se afastado do termo quando ele era visto como uma categoria comprometida. O evangelicalismo moderno engloba todo tipo possível de pessoa cristã nascida de novo, o que sugere que nós precisamos de uma nova palavra.

A PALAVRA COM “F” REVISITADA

Quando Harry Emerson Fosdick se posicionou a favor da posição liberal na controvérsia modernista, ele foi criticado por suas posições que atacavam a autoridade e a inerrância das Escrituras, negavam o nascimento virginal de Jesus, rejeitavam a doutrina da expiação substitutiva e se opunham à segunda vinda de Jesus. Ele pregou um sermão intitulado: “Os fundamentalistas vencerão?”. Ele declarou com ousadia: “Não acredito nem por um momento que os fundamentalistas vão vencer”. Fosdick foi rotulado de herege o que acabaria por admitir abertamente.

Se você está defendendo a verdade, pode acabar sendo chamado de fundamentalista. Você pode ser acusado de se envolver em controvérsia ou de ser negativo. Você pode ser acusado de se tornar uma pessoa contenciosa que prefere a divisão ao invés da unidade. Entretanto, sabemos que defender a verdade sempre terá um custo. Em uma palestra proferida em Londres em 17 de junho de 1932, J. Gresham Machen defendeu seu ponto na controvérsia declarando:

Os homens nos dizem que nossa pregação deve ser positiva e não negativa, que podemos pregar a verdade sem apontar o erro. Entretanto se seguirmos esse conselho, teremos que fechar nossa Bíblia e abandonar seus ensinamentos. O Novo Testamento é um livro controverso do começo ao fim. Alguns anos atrás eu estava em uma companhia de professores da Bíblia nas faculdades e outras instituições educacionais da América. Um dos mais eminentes professores de teologia do país fez um discurso. Ele admitiu que há controvérsias infelizes sobre a doutrina nas Epístolas de Paulo; mas, ele disse com efeito, a verdadeira essência do ensino de Paulo é encontrada no hino ao amor cristão no capítulo treze de I Coríntios; e podemos evitar controvérsias hoje, se apenas dedicarmos a atenção principal a esse hino inspirador. Em resposta, devo dizer que o exemplo foi singularmente mal escolhido. Esse hino ao amor cristão está no meio de uma grande controvérsia; nunca teria sido escrito se Paulo não se colocasse contra o erro na Igreja. Foi porque sua alma se comoveu dentro dele por um uso errado dos dons espirituais que ele foi capaz de escrever aquele hino glorioso. Assim é sempre na Igreja. Toda grande declaração cristã nasce em controvérsia. É quando os homens se sentem compelidos a tomar uma posição contra o erro que eles se elevam às alturas profundas da celebração na verdade.

Se os críticos usam o termo fundamentalista para se referir à mentalidade de divisão por divisão, então não quero ser chamado de fundamentalista. Se os críticos usam o fundamentalismo como termo para se referir à mentalidade de piratas que querem apenas um motim ao atribuir narrativas falsas a pessoas e grupos dentro da igreja – então eu não quero ser chamado de fundamentalista. Se os críticos empregam o termo fundamentalista para descrever o espírito zeloso anti-intelectual nas “fronteiras fundamentalistas”, pessoas que são mais conhecidas pelo que são contra do que pelo que realmente defendem – não quero ser rotulado como fundamentalista.

Dependendo da forma como a palavra é usada, o rótulo fundamentalista pode ser recebido como um elogio e não como uma crítica. Se aqueles que lançam críticas como pedras ao usar o termo fundamentalista estão se referindo a uma firme oposição ao erro teológico e a uma defesa da fé uma vez entregue aos santos – então, dessa forma, eu quero ser chamado de fundamentalista.

Se as vozes dos críticos ecoam o uso da palavra fundamentalista para descrever uma pessoa que se opõe ao movimento (wokeness Movimento dentro de algumas igrejas reformadas que abraçam a ideologia de gênero, marxismo, ideologia de crítica racial, feminismo e derivados…) por ser antiética em comparação ao Evangelho de Jesus Cristo – Eu abraçarei esse termo com grande alegria. Se os críticos empregam o termo fundamentalista para descrever uma pessoa que está disposta a se separar dos mestres, pregadores, seminários, conferências e denominações a respeito de doutrinas que pervertem a Igreja de Jesus Cristo – Eu, então, alegremente abraçarei o termo fundamentalista.

As palavras ganham novos significados com o passar do tempo, mas a verdade nunca muda. Nós jamais devemos nos envergonhar do nosso desejo de se impor pela Verdade na era presente da igreja.

REFERÊNCIAS:

  1. Ned B. Stonehouse, J. Greshan Machen: A Biographical Memoir (Edimburg: Banner of Truth Trust, 1987, originalmente publicado em 1954, 17 anos depois da morte de Machen, pg 428) –Indisponível em português.
  2. “Christian Scholarship and the Defense of the New Testament” in: What is Christianity?  Pág 132-133 Veja esse mesmo ponto em: What is faith? Pág 41-42 Christianity and Liberalism, pág 17. Disponivel em português pela Editora Vida Nova: Cristianismo e Liberalismo de J Greshan Machen.
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Josh Buice | Brasil

Josh Buice é o fundador do Ministério G3 e serve como pastor na Pray’s Mill Baptist Church (Igreja Batista Moinho de Oração) na zona oeste de Atlanta. Ele ama teologia, pregação, história da Igreja, e é bastante compromissado com a Igreja local. Ele gosta de praticar esportes, como corrida de longas distâncias e costuma caçar nas florestas do país. Ele tem escrito sobre salvação pela Graça desde que estava no seminário e tem atingido um número relevante de leitores com o passar dos anos.