É errado de separar de outros cristãos?

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Muitos evangélicos conservadores reconhecem a necessidade de se separar de incrédulos, falsos mestres e apóstatas. Paulo articula essa necessidade de maneira enfática em II Coríntios 6.14-18.

Não se ponham em jugo desigual com os descrentes. Pois que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que comunhão existe entre a luz e as trevas?… Por isso, o Senhor diz: “Saiam do meio deles e separem-se deles. Não toquem em coisa impura, e eu os receberei…”

Nós, tanto como indivíduo, bem como igreja precisamos ter o cuidado de distinguir a nós mesmos e nossas crenças contra aqueles que não creem. Isso não significa que não devemos ter relacionamento com descrentes-longe disso. Isso significa que não reconhecemos descrentes como sendo cristãos, e não fazemos parceria com descrentes no ministério cristão.
O limite ultimo da unidade cristã é a crença no Evangelho.

Além do mais, nós precisamos nos separar daqueles que afirmam serem cristãos, mas ensinam heresia doutrinária. João afirma em II João 9.11:

Todo aquele que vai além da doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém for até vocês e não levar esta doutrina, não o recebam em casa, nem lhe deem as boas-vindas.
Porque aquele que lhe dá boas-vindas se faz cúmplice das suas obras más.

João é claro: Aqueles que ensinam o que é contrário aos ensinos de Cristo não tem Deus. Portanto, nós não devemos “receber” esses falsos mestres- nós não devemos recebê-los como cristãos ou abraçar seus ensinos.

Não pode haver unidade com aqueles que não acreditam no Evangelho; comunhão cristã é impossível com aqueles que negam os fundamentos do Evangelho, incluindo a inerrancia da Escritura, nascimento virginal, deidade de Cristo, expiação substitutiva, e justificação somente pela graça por intermédio da fé somente em Cristo. O Evangelho é o limite da unidade cristã.

O evangelho é o limite da Unidade cristã.

Em outras palavras, a Escritura é clara sobre o fato de que não devemos conceder a comunhão cristã aos que demonstram não serem cristãos, seja por sua rejeição explicita ou por seu ensino contrário ao Evangelho.

E quanto a se separar dos crentes?

Se separar de descrentes, apostatas e falsos mestres é uma atitude clara, porém e quanto a se separar de outros cristãos?

Existem duas circunstâncias em que esse tipo de separação acontece. A primeira é quando as igrejas disciplinam seus próprios membros por pecados habituais sem arrependimento. De novo, a escritura é clara nesse sentido. O próprio Jesus estabeleceu a ocasião para essa disciplina em Mateus 18.15-18 concluindo:

E, se ele se recusar a ouvir essas pessoas, exponha o assunto à igreja; e, se ele se recusar a ouvir também a igreja, considere-o como gentio e publicano.

Igualmente, Paulo ordena que os membros da Igreja que vivem em pecado sem arrependimento sejam: “removidos dentro vós” (I Co 5.2). Essa disciplina é tanto para beneficio espiritual daquele que está em pecado (vs 4) quanto para a pureza e proteção de outros membros da igreja (vs 6).

Novamente, muitos cristãos conservadores reconhecem a necessidade e importância de se separar de membros da igreja que não se arrependem, embora infelizmente muitas igrejas não pratiquem a disciplina eclesiástica.

Separação Eclesiástica

Entretanto, a segunda circunstância na qual se separar de outro crente acontece é aquela que comumente mais tem causado controvérsia e debate, comumente chamado, de separação em “segundo grau”- ocorre quando a igreja e seus membros/organizações estão fora de sua própria congregação. Esse tipo de separação acontece, não por conta de descrença, heresia, pecado sem arrependimento, mas por conta de erro teológico grave o suficiente para promover cooperação eclesiástica em algumas circunstâncias.

O texto chave para esse nível de separação se encontra em II Tessalonicenses 3.6-15:

Irmãos, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo, ordenamos a vocês que se afastem de todo irmão que vive de forma desordenada e não segundo a tradição que vocês receberam de nós…….. Caso alguém não obedeça à nossa palavra dada por esta carta, vejam de quem se trata e não se associem com ele, para que fique envergonhado. Contudo, não o tratem como inimigo, mas admoestem-no como irmão.

Paulo está declarando claramente sobre algo diferente de se separar de um crente ou excomungar algum membro da igreja por pecado sem arrependimento-perceba que ele diz no final do verso 15 que o caso está sendo discutido. Nós ainda tratamos o individuo como um irmão. A questão é diferente de um descrente, que certamente não é um irmão, ou um membro de igreja que não se arrepende, no qual nós somos ordenados a tratar como se não fosse um irmão até que ele se arrependa.

Além do mais, a discussão de Paulo em II Tessalonicenses se refere a se separar de alguém que nós ainda consideramos como um cristão, mas que nós determinamos, seja por atitudes ou por crenças de que existe um erro grave o suficiente para não nos unirmos com ele para cooperação cristã.

Perceba que Paulo afirma que esse nível de separação envolve tudo que não esteja “de acordo com a tradição que receberam de nós”. O que envolve essa tradição? Paulo identifica anteriormente em 2.15- o que quer que “ensinado por nós, seja por nossa palavra ou por carta nossa”. Por extensão, isso incluiria qualquer coisa que não esteja de acordo com os ensinos da Escritura.

Toda a verdade bíblica importa, então toda a verdade bíblica afeta a unidade cristã seja em um grau ou em outro. O Evangelho é o limite da unidade cristã-Aqueles que estão fora do Evangelho não estão unidos com os cristãos de qualquer maneira. Mas dentro dos limites do Evangelho, doutrinas são importantes, tais como o batismo, eclesiologia, hermenêutica, escatologia, e muitas outras doutrinas importam e afetam o nível no qual podemos nos unir e cooperar com outros cristãos.

Não é uma separação do tipo tudo ou nada.

É importante reconhecer que, em contraste a outras formas de separação bíblica, esse nível de separação não é do tipo tudo ou nada. Em resumo, não é porquê eu acredito que alguém esteja em algum erro em uma doutrina em particular, que eu jamais vá cooperar com ele de qualquer maneira. A circunstância particular de cooperação cristã afetará o grau de discordâncias doutrinarias que vão prevenir a unidade.

Por exemplo, eu posso ficar ao lado de um presbiteriano quando formos pregar o Evangelho.  Nós estamos ambos lado a lado em um certo nível de comunhão cristã pela nossa crença comum nos fundamentos do Evangelho, mas eu não poderia plantar uma igreja com ele por causa da nossa discordância no que se refere a política da igreja e batismo. Eu posso pregar em uma conferência aonde exista uma diversidade considerável em um número de áreas que eu acredito serem de extrema importância, mas eu não poderia participar de uma igreja por conta da mesma diversidade de visões.

Em outras palavras, a unidade cristã tem necessariamente dois níveis: unidade dentro dos limites do Evangelho, e unidade centrada em outras doutrinas e práticas bíblicas importantes. Quanto mais eu tenho concordância com alguém nessas outras questões importantes, mais unidade eu posso ter com ele. Em contra partida, só porque eu afirmo que alguém é cristão porque está dentro dos limites do Evangelho, isso não significa que eu poderei me unir a ele em todos os níveis. Discordância em outras doutrinas “secundárias” afeta o nível de unidade cristã e cooperação, especialmente no que se refere a plantar igreja e membresia.

Níveis de unidade cristã

Claro que, o desafio é decidir quais doutrinas afetarão um nível determinado de unidade cristã. Algo no que diz respeito a identidade de “filhos de Deus” em Gênesis 6 não deveria afetar a unidade cristã, mas quais níveis de importância atingirão doutrinas como escatologia, eclesiologia, batismo e sotereologia? O ponto importante aqui é que, embora seja um grande desafio decidir o quanto essas doutrinas são determinantes para afetar a unidade cristã, ela deveria afetar algum nível de unidade, e cada igreja deve decidir como elas deveriam afetar. A alternativa é uma doutrina minimalista doente que não considera nenhuma doutrina de fato importante além do Evangelho.

O Fundamentalismo vencerá?

Esse reconhecimento dos limites e da unidade cristã foi fruto do ideal fundamentalista que emergiu no inicio do século vinte em sua batalha contra o liberalismo. Homens como R. A Torry, B.B Warfield, e mais tarde J. Gresham Machen insistiam que o cristianismo liberal não era cristianismo de forma alguma, já que ele negava os princípios fundamentais do Evangelho como a inerrancia das Escrituras e o nascimento virginal. Eles afirmavam que essas verdades fundamentais do Evangelho eram o limite da unidade cristã, e aqueles que não os afirmavam, não deveriam ser reconhecidos como cristãos.

Teólogos liberais como Harry Emerson Fosdick declinavam desse tipo de “fundamentalismo” que afirmava a necessidade de unidade cristã como sendo definidas por doutrinas fundamentais. Eles afirmavam que o nascimento virginal, inerrancia das Escrituras, expiação substitutiva, e o retorno de Jesus Cristo em corpo não deveriam ser impeditivos à unidade Cristã. Fosdick insistia em um “espírito de tolerância e liberdade cristã” no que diz respeito a esses assuntos, afirmando que deveríamos nos envergonhar pelo fato de “a igreja brigar por coisas pequenas enquanto o mundo padece de grandes necessidades”.1“Shall the fundamentalists win?” (Os fundamentalistas vencerão?)

Os primeiros fundamentalistas argumentavam que essas doutrinas não eram “questões pequenas”; antes, eram as próprias doutrinas definidoras do cristianismo bíblico e, portanto, o limite necessário da unidade cristã. Como Kevin Bauder observa: “Os fundamentalistas acreditam que a separação dos apóstatas é essencial para a integridade do evangelho”.2Andrew David Naselli and Collin Hansen, eds., Four Views on the Spectrum of Evangelicalism (Grand Rapids: Zondervan, 2011), 40. (4 visões do Espectro evangelicalista)

Ademais, os primeiros fundamentalistas também insistiam que as doutrinas além desses fundamentos do evangelho importam e afetam a unidade e a cooperação entre aqueles dentro dos limites do evangelho. A unidade entre os cristãos, conforme ilustrada acima com a plantação de igrejas e a membresia da igreja, dependerá do nível em que os cristãos concordam em outras questões importantes de doutrina e prática.

Outra maneira de dizer isso é: o acordo sobre o evangelho cria uma unidade cristã mínima, enquanto a unidade cristã máxima acontece quanto mais os cristãos concordam com todo o conselho de Deus. Vários movimentos hiperfundamentalistas talvez tenham notoriamente dado muito importância a algumas questões e muito pouco a outras, mas a convicção implícita de que toda verdade bíblica importa e afeta a unidade em um grau ou outro está enraizada na ideia de que o centro da unidade cristã é todo o conselho de Deus.

O acordo sobre o evangelho cria uma unidade cristã mínima, enquanto a unidade cristã máxima acontece quanto mais os cristãos concordam com todo o conselho de Deus.

Evangelho Minimalista

Alguns evangélicos que tentaram unificação somente através do Evangelho acabaram minimizando todas as outras doutrinas que eles consideravam secundarias ao Evangelho, insistindo que essas “não essenciais” não deveriam nunca afetar a unidade cristã. Doutrinas como a visão dos papéis de gênero, santidade pessoal, suficiência da Escritura, ou adoração reverente são consideradas divisoras e um balde de agua fria à unidade cristã e a proclamação do Evangelho.

O perigo é que se nós não considerarmos nenhuma doutrina além do Evangelho como sendo importante, eventualmente faltará clareza naquelas doutrinas que enfraquecem o próprio Evangelho.3Ironicamente, mesmo grupos como o Juntos pelo Evangelho reconhecem isso, eles incluíram até mesmo doutrinas importantes em seus documentos de fundação como o complementarismo e a salvação pelo … Continue reading

Então o que acontece quando evangélicos com essa postura minimizam doutrinas importantes, doutrinas que podem não ser “essenciais” ao Evangelho mas são notavelmente parte de todo o conselho de Deus? O resultado inevitável será  que aqueles que defendem essas importantes doutrinas secundárias não poderão cooperar em algum nível com aqueles que não defendem. Se há falta de unidade nessas doutrinas, como pode haver unidade em atividades como plantação de igrejas e membresia de igrejas?

Ainda bem que existem muitos pastores fiéis hoje que lutam contra esse tipo de doutrina e prática minimalista. Eles estão recusando a assimilação pragmática do mundo que o movimento de grandes igrejas está promovendo. Muitos estão recuperando e defendendo as doutrinas mencionadas acima e estão pregando santidade e separação do Mundo.  

E não é de se surpreender que esses mesmos homens estão sendo rotulados como sendo “fundamentalistas”, e se tornaram monstros para pessoas que nem sequer sabem o que a palavra significa.

Porém, se fundamentalista significa aquele que acredita que doutrinas essenciais ao Evangelho é um limite para a unidade cristã, e outras doutrinas bíblicas necessariamente afetarão a unidade em outros níveis, então eu alegremente serei chamado de fundamentalista.

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References

References
1 “Shall the fundamentalists win?” (Os fundamentalistas vencerão?
2 Andrew David Naselli and Collin Hansen, eds., Four Views on the Spectrum of Evangelicalism (Grand Rapids: Zondervan, 2011), 40. (4 visões do Espectro evangelicalista
3 Ironicamente, mesmo grupos como o Juntos pelo Evangelho reconhecem isso, eles incluíram até mesmo doutrinas importantes em seus documentos de fundação como o complementarismo e a salvação pelo Senhorio de Cristo como essenciais ao Evangelho, embora essas doutrinas não sejam parte do Evangelho por si mesmas. Eu concordo totalmente com eles com o fato de que o  complementarismo e a salvação pelo Senhorio de Cristo enfraquecem o Evangelho, mas insistir que eles estavam apenas se unindo ao redor do Evangelho por si só, infelizmente não é o caso.
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Scott Aniol | Brasil

Scott Aniol, PHD, é o vice presidente executivo e o editor chefe do ministério G3. Ele é palestrante internacional, atuando em diversas igrejas, conferencias, faculdades, e seminários. Scott já escreveu diversos livros e dezenas de artigos.

Você pode saber mais a respeito dele em www.scottaniol.com Scott e sua esposa, Becky, tem quatro filhos. Caleb, kate, Christopher e Caroline.